novembro 22, 2024 7:55 AM

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Cartilha sobre aborto desinforma e provoca medo nas vítimas, diz jurista

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Mestre em Direito Penal esclarece que existe, sim, aborto legal, e aponta equívocos presentes em documento do Ministério da Saúde

*Artigo jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles, do Escritório Valles & Valles

Uma nova cartilha elaborada pelo Ministério da Saúde afirma que não existe aborto legalizado no Brasil e que, portanto, toda prática de aborto constitui crime. “Não existe aborto legal. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”, diz o texto da cartilha.

Cartilha sobre aborto

O texto indica que mulheres que invocarem o direito legal para realizar o procedimento serão investigadas pela polícia. A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles, do Escritório Valles & Valles, explica que quando qualquer pessoa denuncia um crime, todos os envolvidos no fato são investigados. “A polícia verifica todas as informações de todos os envolvidos, mas isso não quer dizer que as vítimas serão tratadas como suspeitas em investigações de estupro”, diz.

Quando uma mulher é violentada e procura atendimento médico, o fato já é comunicado à polícia, que elabora um boletim de ocorrência. A vítima passa por exames de corpo de delito para coletar vestígios e resíduos que permitam a futura identificação do criminoso. “Esse boletim de ocorrência vira um inquérito policial porque estupro é um crime de ação penal pública incondicionada, não depende de representação da vítima. Mesmo que ela não queira dar continuidade a essa investigação, isso não a impede de ter o direito de abortar”, completa a advogada.

Mesmo quando a vítima de estupro não denuncia o crime e descobre a gravidez posteriormente, afirma Jacqueline, ela também tem direito ao aborto. “Só que quando é iniciado o processo para a realização do aborto, é feita a investigação. Mas não é a mulher que é investigada e, sim, a autoria do crime. Ainda assim a vítima não precisa que a investigação seja concluída para que ela tenha direito a realizar o procedimento previsto na lei. A cartilha do Ministério da Saúde mais confunde que explica e tem um jogo de palavras que gera desinformação e pode desestimular ainda mais as denúncias de estupro, um crime que já é subnotificado no Brasil”, afirma.

Dados do Ministério da Saúde divulgados na imprensa mostram que, entre janeiro de 2021 e fevereiro deste ano, foram realizados 1.823 procedimentos de aborto autorizados por lei no Brasil.

A advogada criminalista esclarece que todo aborto feito dentro das regras da legislação é legal. “O aborto no Brasil é legalizado em três circunstâncias: duas estão no Artigo 128 do Código Penal – estupro e risco à vida da mãe; e uma é jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) – fetos anencéfalos. Então esse jogo de palavras usado na cartilha não corresponde à realidade. Só serve para confundir e vitimizar ainda mais as mulheres”, explica.

Estupros
Em 2021, o Brasil registrou 56.098 estupros de mulheres.

A cada 10 minutos, uma mulher foi violentada. E, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ainda há uma subnotificação considerável no registro dos casos.

Os dados revelam que durante a pandemia (entre março de 2020 e dezembro de 2021) houve um aumento significativo dos casos de violência sexual contra meninas e mulheres, chegando a um total de 100.398 registros.

“As vítimas precisam se sentir seguras e acolhidas para denunciar os crimes. Espalhar desinformação contribui para que crimes e criminosos não sejam investigados e permaneçam impunes. A sociedade, os entes jurídicos e o governo têm que garantir que as vítimas tenham segurança para denunciar e recebam o acolhimento necessário em um dos momentos mais difíceis das vidas dessas mulheres”, finaliza a jurista.

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